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segunda-feira, 9 de abril de 2012

MAS O QUE É FILOSOFIA MESMO?

Sejam bem-vind@s à filosofia! Talvez a uma das tantas filosofias. Pior: à minha visão (im)pessoal e transferível filosofia. E nem precisam limpar o pés.

No mês de março estivemos a distribuir amostras grátis: alunas, aqui está uma provinha da minha filosofia – o ensaio. Deu mais ou menos certo. Isso equivale a dizer: saiu, como sempre acontece, meio errado. Mas é bom que a insatisfação seja explicitada. Digam, se for o caso: ainda não entendi, ou entendi e não concordo, não gostei, etc. Pois ainda temos muitas aulas nestes próximos três meses. Depois, direi: fui.

Gostou? Então leia mais.


Sempre tem gente querendo saber: o que é filosofia mesmo? Diferente talvez das perguntas: ...mas o que é mesmo a filosofia? O que é de fato a filosofia? Tanto faz acrescentar essa ênfase ou não; eu não vou começar a resposta com um típico “Na verdade, a filosofia é...” Pois sempre estivemos na verdade. O café mesmo é diferente do café misturado, mas a filosofia pura não existe: a mente pura é a pura mentira!
Tudo bem, vocês se cansaram do ensaio e querem o show, com gravação de DVD e tudo. Vamos lá. Ainda no quadro negro, escrevemos “filosofia” e destacamos “filo+Sofia”. Sofia é sabedoria. Usamos palavras compostas, como filantropia, hidrófilo, cinéfilo, para sacar que filo é amor,  amizade. Daí que filosofia tenha sido entendida como “amor à sabedoria”. Não é a própria sabedoria? Não resolve muito, mas é um rótulo tão bom quanto geografia e geologia – que nunca dizem tudo, mas servem pra distinguir uma área da outra. Os funcionários do protocolo e da biblioteca sabem muito bem para onde encaminhar os envelopes e os livros: departamentos, estantes. Senão: de volta ao remetente.

Agora, para atender pedidos, eu trouxe para a sala de aula duas definições de filosofia. Uma complicadíssima (a)e outra legível (b).

(a)  Filosofia é ontologia fenomenológica universal, que parte da hermenêutica do estar-aí, a qual, como analítica da existência, amarrou o fim [a ponta] do fio condutor de todo questionamento filosófico, ali de onde se origina e para onde conduz.” (p. 57)

A frase é de Martin Heidegger, citada e comentada pelo caro mestre Ernildo Stein, em seu muito elogiado livro Seis estudos sobre Ser e Tempo. E “Ser e tempo” é o título mais conhecido de Heidegger, que morreu em 1976. Na sala de aula, desmontei um pouco essa bela definição complicada. Um repeteco da explicação não vai funcionar aqui. É claro que o livro de Stein comenta e situa essa frase. Por exemplo, ele destaca o caráter circular dessa definição, mas como muitas definições boas são as circulares, chega-se com isso a noção de “boa circularidade”, o oposto do “círculo vicioso”. E o bom círculo é o círculo hermenêutico. Compreendemos algo porque já estamos compreendidos em algo, há algo a ser compreendido, etc. Mas essa frase não foi trazida com a intenção de encerrar a conversa, tipo: vocês querem uma definição bonitinha? Então, tomem esta e mais esta! (Como se isso bastasse para voltarmos a meu plano inicial , com a exibição do ensaio, ao vivo.) P.S.: tomei a liberdade de sugerir “ponta” em vez de “fim” para o fio condutor, na frase acima, traduzida por Stein. Em alemão, Ende pode ser um e outro, mas... vamos evitar a ambigüidade  e facilitar um pouquinho as coisas para o leitor.


(b)  Quem quiser uma longa explicação do termo filosofia, com um pouco de história e palavrinhas escritas em grego, tipo filosofia... Brincadeira. Isso aí é wingdings e não é grego, mas estou com preguiça de inserir símbolos do alfa-beta. Por exemplo, o dicionário de filosofia do Ferrater Mora, muito bom, em 3 ou 5 volumes, conta que os termos “filosofar” e “filósofo”  surgiram antes do termo “filosofia”. Faz sentido. E era usado para distinguir isso daquilo que faziam os sofistas (mesma raiz “Sofia”, com outro uso).

Mas, já que as alunas costumam achar que filosofia é sempre coisa antiga e de velhinhos-baixinhos-carecas, aqui vem uma quentíssima e recente explicação do que seja a filosofia. E, de bônus, para facilitar a Xerox, uma anedota sobre a figura do filósofo. Pois como dizia mestre Th. Kuhn: cientista velho tem livros velhos, assim como predinho novo tem criança pequena. Ou seja, vi um aluno do mestrado com um livro novo, de um autor novo e pedi para tirar cópia. Para renovar meu estoque. O autor é francês, 62 anos (novo?), e deve estar vivo por aí: André Comte-Sponville (Dicionário filosófico, Martins Fontes, 2003)
O filósofo Comte-Sponville é tão francês quanto
o galã Jean-Paul Belmondô...

A definição começa bem: “Filosofia: uma prática teórica (mas não científica), que tem o todo por objeto, a razão por meio e a sabedoria por fim. Trata-se de pensar melhor, para viver melhor”, etc.


E agora, a anedota sobre o filósofo, que as alunas estão lendo para comentar:

_ O que o senhor faz? – indaga o camponês.
_Sou professor de filosofia.
_Isso é profissão?
_ Por que não? Acha estranho?
_ Um pouco!
_Por quê?
_ Um filósofo é uma pessoa que não liga pra nada... Não sabia que se aprendia isso na escola. (p.251)


No primeiro dia de aula, levei para a sala de aula o livro de entrevistas do jornal francês Le Monde, um bom painel do pensamento nos anos 80, com 20 nomes, quase todos franceses. Além dos desiludidos e malucos, eis um que tem um bom motivo para ser filósofo, o que nega a opinião errada do camponês:

Porque eu sou filósofo?
Por causa de Hiroshima
(Michel Serres)

Ele se pergunta e se responde. Ótimo. Não fiquem esperando um jornalista do Le Monde. E atenção, alunas e leitores que ainda não tem uma grande meta na vida! Vocês podem ir (ou vir) para a filosofia por causa de... Fukushima. E não temos muito tempo, antes de Angra 3, Pré-Sal, Belo Monte...


A rosa radioativa
Estúpida e inválida

(Vinicius e Ney)

2 comentários:

  1. Energia atômica? Não, obrigado.

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  2. Fiquei pensando em tudo que li nesta página, é inevitável fazer associações,considerações e se arriscar as conclusões (pelo menos de mim para mim), filosofar está em nós, dentro de nós!

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