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terça-feira, 27 de março de 2012

SOBRE VINHOS E BOLACHAS - Uma amostra da velha filosofia que parece loucura ou besteira

Vim por causa do vinho - só pra maiores de idade

Nosso curso é tipo não pague nenhum e leve vários: traremos várias tentativas (e algumas desistências) em nossa tarefa de mostrar às alunas da Pedagogia a filosofia e os filosofantes em ação.

Depois de lermos um ensaio sobre o ensaio, na semana passada encenamos outra achega. Chegamos pela tangente falando das qualidades de algo "que" as alunas não sabiam ainda o que era. Em vez de começar pela nome da "coisa", que não é bem uma coisa, brincamos com algumas qualidades do... vinho? Sim, bebida feita de uvas, ora tintas, ora brancas, que dão vinho tinto ou branco, seco ou suave, encorpado, frutado, etc. Enfim, uma onda danada para falar das mônadas. E fizemos uma leitura salteada de um famoso texto de um certo Leibniz.

Parece difícil, esquisito, sem sentido. Mas, do meio para o fim, começamos a ver onde quer o alemão chegar. Foi um belo passeio, sim. E aqui damos a indicação do texto, que toma umas seis páginas, em 90 parágrafos bem encadeados:

Já no final de nossa aula matutina - sem muito clima para bebidas da Serra Gaúcha - sugerimos um tira-gosto: bolacha! Mas isso era só uma pegadinha, para que as alunas aprendessem mais sobre esse tal de Leibniz, que escreveu sobre as mônadas (tipo bola de natal, sem janela, alma gêmea). E ele também dizia que este mundo é o melhor dos mundos... Pode ser?

Este professor já havia feito uma pesquisa muito original (que não cabe no Lattes, mas e daí?) sobre o filósofo alemão, que virou nome de bolacha. Sim, senhores e senhoras! Podem conferir em um post de nosso outro blog, postado em 24 de setembro de 2011 (no blog filosofodocerrado). Taí. Confiram: 


 Até mais.

Prof. Bento Itamar Borges

domingo, 18 de março de 2012

A VERDADE NA POLÍTICA

UMA MULHER VEM DE NEW YORK PARA FILOSOFAR NA UFU
e este blog comenta uma boa conferência
para as alunas da Pedagogia
e demais leitores

Agnes Heller, filósofa atual
Dona Agnes Heller falou semana passada sobre “política y moral”. Aí alguém ouve a frase anterior e já associa o político à safadeza, ao imoral. Ligação imediata e perigosa, pois o profissional da política não é toda a política: o homem (geralmente velho, branco, rico) que representa seus eleitores como vereador, deputado, senador, também age moralmente quando consegue ser prudente, sensato, ousado, ambicioso, etc. Então, ao ler o título da conferência de Agnes Heller, não deveríamos reagir como telespectadores distanciados da política. Não: “verdade na política” é um bom título e não podemos ficar desconfiados, tipo “política só sabe mentir”.
Dona Agnes Heller veio de Nova York para nos falar na UFU, em evento de Filosofia e Direito. Não voou à toa e anunciou texto novo, escrito pra ser lido em Uberlândia. Beleza de etiqueta acadêmica. E ela disse muito mais que isso: o político (e o jornalista), além de mentirem, também erram, enganam e se enganam. Crianças crescidas que somos, devemos ver a diferença entre mentir de propósito e nos equivocarmos. Acontece também no campo da política. E foi bom ver Heller incluir a imprensa e o as igrejas no campo da ação política (e da mentira). E é claro que a política também persegue a verdade, ou seja, no particular, um político também diz a verdade e eventualmente acerta.

Heller pode falar de cadeira:
verdade e política tem tudo a ver
Dona Heller tem 83 anos e veio tão longe nos falar de tema tão importante. Sua frase final pode ser entendida por todos e poderia mesmo ser proferida por muitos: “Admitir a possibilidade de falhas é a maior virtude de um político e um das maiores virtudes dos cidadãos.” The End. Palmas.
A diferença é o percurso da conferência, que a torna uma peça da filosofia:
a)      Heller compara Cristo e Pilatos. A frase afirmativa “eu sou o caminho e a verdade” é uma revelação de uma religião, ao passo que a pergunta de Pilatos – “o que é a verdade?” – seria uma típica atitude filosófica;
b)      Heller diferencia história e política, pois aquela trata do passado e esta, do futuro;

c)       Heller analisou os opostos da verdade: mentira, erro, engano, equívoco, etc. – e com isso faz um mapa dos conceitos envolvidos para explicar que alguns políticos “não estão mentindo, mas estão errados”;
d)      Heller mostrou a função paralela da retórica nessa conversa sobre a verdade, etc.

Perfeito. A filósofa húngara radicada em NY mostrou bem como é estruturado o discurso filosófico. Eu não sabia quase nada sobre ela, além de sua ligação com seu professor marxista Lukács. Ela não falou dele; investiu mais em Max Weber e citou Kant. E prestigiou outra filósofa muito importante, Hannah Arendt, ao criticar o totalitarismo: não havia política naqueles regimes (sob o qual ambas sofreram  - “tempos sombrios”).
Eu costumo ir aos eventos da filosofia e depois comento com os alunos. Faço isso aqui, primeiro para as alunas da pedagogia, para que tenham mais um exemplo de “como é a filosofia”: viva, atual, provocante, empenhada e diferente de outras “ciências”.
Mas eu eu? Saí do auditório 3Q do mesmo tamanho? Não. Fiquei feliz por ouvir e ver Agnes Heller, que era só um nome. Não esperei o debate e nem a tietagem. Mas apresento aqui às alunas da pedagogia – e demais leitores – algumas interpretação divergentes:
a)      Pilatos quis agir como político prudente em favor de Jesus. A pergunta sobre a verdade não era filosófica e nem retórica; Pilatos poderia livrar Jesus da execução e por isso relativiza, tipo assim “se tudo é relativo, porque você vai morrer por causa dessa verdade? Deixa disso, rapaz...”
b)      A política deve cuidar do presente e não do futuro – essa visão, sim, é coisa da aluna de Lukács, o marxista revolucionário – que queria dirigir a história e a consciência para um certo rumo, etc.
c)       A manipulação da verdade pelos políticos e jornalistas aproveita-se não só da retórica, mas da omissão e de manobras sutis. Um certo canal de TV deixa de mostrar a manifestação em Brasília que vai contra seus interesses privatizantes, por exemplo – e isso não é exatamente “mentir”. Uma esperta manobra é a sinceridade a respeito de coisas menos importantes. Por exemplo, o novo Ministro da Pesca também confessa que não sabe pescar. Os dois anteriores não sabiam “botar isca no anzol”. Simpática essa declaração, sem dúvida. Todavia “ninguém fala a verdade” sobre o papel desse ministério, que deve ser secundário para os peixes, pois o que interessa mesmo é o jogo de poder e a dança das cadeiras, etc.
d)      O tom da frase final da conferência de Agnes Heller é moralmente correto e seria aplaudido pelo anti-marxista Karl Popper: humildade e falibilismo, pois todos podemos errar, falhar (mas ninguém deve mentir – é bom lembrar).


Nossa grande virtude é admitir nossas falhas.

domingo, 11 de março de 2012

FILOSOFIA SÓ PARA MULHERES

PARTE II – LIVROS E ABORDAGENS (para todas as alunas - tenham ou não ido à aula, com ou sem sono, etc.)
CONTINUAÇÃO DO RELATÓRIO DA PRIMEIRA AULA DE FILOSOFIA EM UM CURSO DE GRADUAÇÃO QUE SÓ TEM MULHERES, EM HOMENAGEM AO DIA DA MULHER INTERNACIONAL

Aqui, vamos revirar a mochila levada à sala de aula. Que livros foram exibidos às alunas no primeiro dia? E como encaramos essa tarefa de falar de filosofia em um curso de graduação?
Sobre a “postura”, como diríamos nos anos oitenta: preferimos uma amostragem – ler trechos inteiros de autores relevantes, sem intenções de cobrir todas as tendências e épocas da filosofia e sem mastigar resumos.
Carrossel (tipo “queridos pôneis”, mas não montanha russa de parques perigosos): podemos pegar o bonde andando, ou seja, pular no carrossel enquanto ele gira, ou seja, começar por qualquer ponto da filosofia e avançar ou recuar conforme a necessidade – mas sem sonhar com um regresso infinito a uma época inicial e autêntica, pois isso é criado, etc. (Essa idéia, assim ilustrada com o brinquedo giratório, vem do colega e ex-professor Álvaro Valls).



Sobre e contra o estereótipo do tipo “filósofo escreve coisas difíceis e sem sentido”, escolho por acaso o tema paixão”.
1.    O livro Paixões, que tem Jacques Derrida como autor e é ampliado por longas notas do editor, é mais uma artimanha da indústria editorial (ou gráfica, no caso...) que trata esse autor como mina de ouro sob a chancela do governo francês. Não é fácil conseguir deles a cessão de direitos autorais e não sairia de graça. Aqui, publicam em separata o que antes fora parte de uma coletânea de doze ensaios. E depois dizem, com a maior cara de pau, que esse ensaio ao lado de outros dois, poderia compor uma trilogia sobre o “nome”. E não adianta chiar, caras alunas, pois se alegarmos que tiraram a obra (aliás “obra”, entre aspas... pois nem chega a tanto) do contexto original, esses franceses ensaboadas iriam escorregar para novas perguntas, do tipo “mas o que é o contexto, o texto, o tecido?” e também, claro, “o que é a origem?” Percebe-se logo que não vamos ver nada ou quase nada sobre paixões nesse livrinho de 1993, pois o tema é tratado de maneira oblíqua, atravessada. Derrida e seus seguidores não se importariam com as manobras todas que levassem a aparente desatenção com os gêneros textuais até a de-generação, pois tudo lhes vem a ser pertinente. E quem quiser ver uma boa amostra da “metodologia” de Derrida, que é também seu estilo e sua ontologia, sei lá, veja o livro Do espírito, que em grande parte é sobre o uso de aspas – um sintoma de nossa coragem ou nosso medo, equivalente a cochichar, falar, insinuar, mencionar, gritar... mas não suspirar, pois não há paixão nessas folhas.

2.    As paixões da alma, livro do conhecido Descartes. Aí, sim: todas as paixões e até toda a “natureza do homem”. Claro, do homem separado em corpo e alma. Além da famosa solução de link entre corpo e alma: o plug que conecta (cuidado com a voltagem!) essas duas partes do “serumano” é uma glândula, que fica no cérebro. Aliás, dirá o campeão do racionalismo, que errou feio em cardiologia: as paixões não se localizam nem se produzem no coração, embora esse músculo involuntário sirva para aquecer o sangue – o sangue circula quando esquenta e desce depois que esfria... Nada sobre pulsação e válvulas! Mas a obra vale como listagens de paixões da alma. E alma é psique em grego. E a psicologia, antes de Freud e de Jung e de ratos em laboratório, era uma das áreas da filosofia. Sim, senhoras. Vejam a catalogação dos livros na biblioteca da UFU e no mundo inteiro: os livros de psico levam o número 150, ou seja, uma sub-seção da filosofia, que é 100. Alegria, tristeza, amor e ódio, remorso, admiração, ciúmes e invejas e tantos estados de ânimo e de desânimo (alma, alma) classificados e definidos pelo procedimento da classificação e da definição (deu nisso a dedução). Ora, Descartes não ajuda em transplante de coração e nem substitui o Prozac, mas... continuamos a ler esse gênio do pensamento e das aventuras extra-classe. E podem ver o filme do Rossellini sobre ele, bem ambientado na Holanda do século XVII. E a mulher dele também dá um show de sabedoria, citando centenas de ditos populares.

3.    Hobbes não era um lobo apenas mau. Sobre o livro A natureza humana, de Thomas Hobbes, esse injustiçado por alguns professores de cursinho – negócio em crise depois do ENEM – viva! Viva! - pois não basta repetir que  “o homem é o lobo do homem” (e a mulher, a loba, etc.), pois a frase ficou pela metade. Ele também, que teve influência na política imediata, contemporâneo de Descartes, queria saber como é o homem, sua natureza, já sabendo que somos moldados pelo que somos ao nascer (nato) e pelo que aprendemos – nature mais nurture. Mas esse livro foi parar na mochila por uma nobre razão: eu quis mostrar às moças e senhoras da sala de aula que um filósofo também escreveu coisas leves, teve idéias e soluções como nós temos hoje. Hobbes deixou uma autobiografia em versos, tipo cordel nordestino... Fantástico! E nesse livro sobre a natureza humana, de 1640, encontramos uma feliz analogia com uma corrida de gente a pé, como as atuais maratonas; Hobbes distribui as paixões em uma corrida, de acordo com nossas reações no meio de outros competidores. Muito elucidativa e favorável a meu intuito inicial de tornar mais simpáticos os filósofos de qualquer tamanho.

4.    Que tal lermos um livro só de entrevistas com filósofos? A editora Ática publicou uma série de entrevistas feitas pelo jornal francês Le Monde, com diversos filósofos da hora nos anos 1980 – Filosofias: entrevistas do Le Monde, São Paulo, Ática, 1990. Derrida é um dos entrevistados, mas esqueçam o tema da paixão. E Hobbes jamais teria sido entrevistado, pois esse é um gênero novo, do jornalismo, que só se tornou possível com o desenvolvimento da esfera pública, no século XIX, com a qual nem poderia ter sonhado o monárquico Hobbes. Mas o  livro é bom para dar um panorama da eventualmente excêntrica filosofia francesa, além de dois alemães, meio perdidos ali, inclusive Habermas, meu “objeto” de estudo mais demorado.

5.    Outra maneira interessante de entrar na sofisticada conversa dos filósofos é a obra, da editora Ediouro, é o livro da francesa Anne Amiel, que nos traz 50 grandes citações filosóficas explicadas (1990). Algumas alunas acertaram umas cinco das mais famosas frases, inclusive “penso, logo existo”, “só sei que nada sei”, etc. O lema de Hamlet, na verdade o dilema entre ser e não ser, bem que poderia estar ali, misturado com Heráclito. Mas, essa francesa, permitam-me dizê-lo, ficou refém da seriedade e... não falou de paixão, não trouxe citações sobre amor e ódio – no máximo, passou perto com “prazer” (Epicuro) e “desejo” (Descartes).


6.    O professor também propôs um jeito de apresentar a filosofia. Não trata de temas, nem de problemas, nem de épocas e escolas da filosofia. Não foi por aí, mas pelo “viés” (outra gíria da pedagogia dos anos enta) do gênero literário. Está esgotada a primeira edição de seu livro Ensaios filosóficos e peripécias do gênero (Caxias do Sul, EDUCS, 2006, 149 p.), mas não fiquem tristes, pois enviaremos por email um arquivo com o primeiro capítulo, para comentários na próxima aula. Que tipo de texto os filósofos escreveram e escrevem e o que há de interesse filosófico nessas opções? Você tem que escrever uma monografia para obter o grau de mestre ou doutor. E não levam muito a sério quem escreve ensaios... Mas será que pensamos enquanto escrevemos coisas em um gênero tal, etc.? E vocês sabem que certas coisas se nos revelam mais enquanto escrevemos que antes, quando tentávamos só pensar e falar. Um texto também nos procura.

7.    Por fim, até por causa da magia do sete e porque não levei oito livros, para não assustar as alunas, um comentário sobre o livro A universidade iluminista. Eis aí um ciclo que se fecha em um trabalho que continua: uma coletânea de gente da casa, da FACED, organizada por um professor de vocês, o Prof. José Carlos S. Araújo. Em dois volumes, temos um desfile de filósofos e cientistas nos últimos 250 anos: Kant, Schelling, Fichte, Schleiermacher, Hegel, Humboldt, Weber, Nietzsche, Max Scheler, Whitehead, Ortega y Gasset, Heidegger, Gramsci, Jaspers, Gusdorf... Ficaram tontas? Eu fico. Não é para menos. E ainda os recentíssimos Lyotard, Derrida e Habermas. A obra começa com as considerações sobre o conceito de “iluminismo”,  movimento também chamado de “esclarecimento” e termina com as recomendações de uma certa convenção de Bolonha, em 1999, sobre e para as universidades de hoje.

Com isso, encerro o relatório da primeira aula. E, ao contrário de outras áreas, outras audiências, aqui não precisamos nos esforçar para vender o peixe: a importância e a pertinência da filosofia estão bem assentadas e são bem aceitas. Restará a briga pelas tendências e ideologias, mas isso é assunto para outras aulas. De início, queremos trazer umas amostras de filosofia viva e de certa forma pura, ou seja, ainda não “aplicadas” – nem mesmo à nobre causa da educação. Sem pressa, aliás, que estou em fase de desacelerar, quando já não deveria inventar nada...

Prof. Dr. Bento Itamar Borges – Instituto de Filosofia - UFU


terça-feira, 6 de março de 2012

PROFESSOR SE SENTE UM RAPAZINHO DE 22 ANOS

Nota do editor: conforme cogitara este professor blogueiro, o PIPE continuará sem SHOW com novo elenco - ele e umas quarenta mulheres, as alunas da Pedagogia. Uau! Calma, galera. Pega leve, que vou de tiozão... Por enquanto, só texto, em dois capítulos. Depois voltaremos para editar isso aqui, com alguma imagem e um pouco de graça. Assim, será mantido o espaço - com crescente público e lista de seguidores, esperamos - para reflexões ou pelo menos impressões ligadas a essa prática de professor que já vai para uns 35 anos... Já estão chegando aí as filhas das filhas das minhas primeiras alunas. Benza Deus!
DE VOLTA À PEDAGOGIA
Disciplina GFI172 – Filosofia matutina
Aula 1 - dia 2 de março de 2012
PARTE I (para quem perdeu a primeira aula ou quer organizar informações)
Nem todas as aulas merecerão um relatório. A primeira, sim, precisa disso, pois nem todas as alunas estiveram na sala do 3Q naquela sexta-feira. Algumas chegaram de madrugada, ou seja, as 7:10. Eu já sabia, ao ler a lista, que teria uma turma só de mulheres. Isso é uma beleza, pois ao formar frases poderei dispensar o gênero gramatical masculino; direi: vocês estão convidadas, empolgadas, informadas, etc.
Primeiro dia de aula, professor vem com muita conversa fiada. E somos bons nisso: misturar informação relevante no meio de anedotas. E já lancei algumas teses e propósitos para a disciplina “Filosofia”, que ministrarei no curso de pedagogia. Eu, o ministro? Ou ministrante? E pensar que outros filósofos já ficaram conhecidos como “magister”! Passamos de mais para menos. Ok.  Então, nada de ministrar aulas; trata-se de dar aulas. Sim, dar e não vender, conforme brincava nosso colega de república, o Geraldinho, pois trata-se de uma universidade pública e gratuita, etc.

Cada aluna falou um pouco sobre si: se fez ou quis fazer outro curso superior, se trabalha, se tem tempo para ler. Nessa prosa, tirei uma média e atualizei minha impressão sobre o “perfil do alunado”, pois as convicções mudam após três décadas, bem como a natureza do trabalho. Em 1979, não havia telemarketing e nem “escolas” da prefeitura municipal para crianças de... quatro meses de idade. Sim, pois não são creches e as mães nem sempre trabalham. Aprendo bastante sobre o novo “conceito” de educação adotado em Uberlândia (e ainda nem sonhado na Suíça, parece). E aviso que essa é uma das ocupações prediletas do filósofo: o conceito (que só interessa enquanto história do conceito, etc.)

Brinco com a rara composição da turma: só mulheres. E, sem nenhum assanhamento hoje, digo que me sinto um rapaz de vinte e dois anos. E logo explico: é que em 79 fui professor de redação em um cursinho. Eram duzentas moças em uma sala. E eu ao microfone fazendo piadinhas. Enquanto isso, os rapazes estavam na quadra, horário de educação física. Depois, o troco: duzentos marmanjos na aula de redação e eu esgoelando para manter a atenção. E um bedel me vigiando, pois tinha que seguir a apostila. Coisas do tempo da ditadura, em escola dirigida por um delegado de polícia... Sim, a história da educação inclui as histórias pessoais. Logo pedi as contas e dei sorte: vim para a UFU, onde sempre me senti bem.

Em 1979, comecei a trabalhar na UFU e fiquei “lotado” no grande departamento de Pedagogia. Tínhamos lá uma equipe de Filosofia e outra de Metodologia da Pesquisa.  Depois de inúmeras reuniões, as “pedagogas” resolveram se separar (ou, conforme a retórica adequada de então, “redimensionar a unidade acadêmica”). Criaram um departamento de fundamentos da educação e outro de práticas. Um escândalo para quem antes apostava na unidade entre teoria e práxis. Mas, deixa quieto, pois o sistema segue sua dinâmica, etc.
E, embora, a filosofia pudesse ser encarada como um dos fundamentos da educação, nós, os professores de metodologia e de filosofia, aproveitamos a deixa, a porta aberta por nós todos, e resolvemos criar nosso próprio departamento de filosofia. Deu certo. Foi em 1987. De início, continuamos a oferecer disciplinas a quase todos os cursos da UFU. E logo montamos alguns cursos de especialização – um dos primeiros foi sobre o liberalismo.
Depois de implantado o curso de graduação em filosofia, em 1993 ou 94, afastei-me da área da educação. Nos anos 80, eu era mais entrosado com a temática, os autores da pedagogia crítica. Tivemos, aliás, uma rara oportunidade na UFU: a pedagogia montou um curso de especialização com os intelectuais exilados, que voltavam ao país, no governo Figueiredo. Gadotti, Jamil Cury, Miguel Paiva, Jeferson Ildefonso, Sanfelice, Afonso da Cunha e outros, que nos muniam de ferramentas para a crítica ideológica da escola reprodutivista.
Meus contatos com a educação foram diminuindo. E minha biblioteca foi desfalcada quando emprestei duzentos livros – quase todos de educação – a uma faculdade particular por aí. O novo dono do negócio bateu um carimbo de “doação” e... adeus. Já estive em banca de qualificação na pós da FACED  e publiquei pelo menos uma resenha e um artigo, em parceria com dois colegas, que poderemos adotar nesta disciplina, sobre educação em Habermas, filósofo alemão que conheço bem e ajudo a divulgar e criticar.
Voltando à história recente da UFU, em 2007, a filosofia passou a oferecer mestrado e, recentemente criou o turno matutino na graduação – e agora somos um Instituto, o IFILO.
Há alguns anos os dois departamentos de educação se reagruparam para formar a poderosa FACED, que hoje tem mestrado, doutorado e uma respeitável linha de pesquisa. Por fim, veio o curso de jornalismo, assumido por essa faculdade da UFU.
Uma cria dos tempos da pedagogia permanece com as duas áreas: a revista Educação e filosofia. Lembrei dos bastidores da criação desse periódico, do esforço do colega Prof. Geraldo Inácio, de minha atuação por tantos anos lá em várias funções e do sucesso da revista, hoje uma das melhores do país. (E logo vi que terei que trazer uns exemplares, pois nem todas as alunas sabem exatamente o que é essa importante revista acadêmica).

Na hora das perguntas, uma preocupação bem básica das alunas: se eu ficaria até o final do semestre. Resposta: sim, “se Deus me der vida e saúde”. Na verdade, eu me ofereci para assumir a disciplina em lugar de uma colega de departamento que pediu licença-maternidade. Mas venho de bom grado e pronto para cumprir a carga-horária e para deixar uma boa impressão – uma amostra – da filosofia. E o momento é bom: as alunas estão no terceiro ano, ou seja, já têm uma certa base teórica e ainda não estão afobadas com as monografias de fim de curso e a preparação para seleção de pós.

(to be continued - God be served...)