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sexta-feira, 18 de novembro de 2011

FILOSOFIA: QUE NEGÓCIO É ESSE?




Afinal, O Quê uma Empresa Júnior de Filosofia Pode Oferecer?
Por Vitor Hugo Resende
               
Uma das mais frequentes dúvidas, senão a maior delas, acerca de uma empresa de Filosofia, é o que se pode oferecer como produto para seus futuros clientes. Não obstante, esse foi um dos principais debates do nosso grupo incumbido de delimitar todos os passos para se criar tal empresa. Para vir em nosso socorro tivemos um breve, porém proveitoso bate-papo com o Prof. José Benedito do IFILO para nos dar algumas ideias de como comercializar a Filosofia, como encaixá-la num mercado de trabalho que a julga preconceituosamente como inútil e meramente contemplativa.
                A Filosofia é uma ciência por excelência interdisciplinar e como tal é difícil defender a tese vigente de sua inutilidade. Assim é fácil intuir que em alguma coisa, pelo menos, se pode extrair dali para se aplicar ao mercado de trabalho e, é claro, ganhar dinheiro com isso. É exatamente isso que explicaremos a seguir.
                A primeira coisa que o Professor indica é pesquisar o quê o Guia do Estudante aponta sobre o curso. No Guia, além de apontar uma definição geral do que é o curso, no que ele trabalha ao longo de sua duração (o onipresente “para quê serve”) podemos observar também as áreas de atuação da Filosofia no mercado de trabalho, além de estimativa de salário inicial da profissão . Numa análise rápida, podemos notar que as áreas de atuação são um pouco mais abrangentes do que inicialmente se pensava, como se fosse restrita a ministrar aulas somente sobre a Filosofia em si. Pode-se abranger esse leque não só a disciplina Filosofia, mas como já foi mencionado, seu caráter interdisciplinar notório, pode-se dar tópicos de Filosofia que tangenciam outros cursos/matérias, como o Guia menciona, nas áreas de Jornalismo, Administração, Direito, Ciências Sociais e Medicina, entre outros. Além é claro da parte de bacharelado, onde é possível “prestar consultoria para instituições científicas, artísticas e culturais e também está habilitado a implantar projetos educacionais em escolas e empresas”, segundo o Guia.
                Prosseguindo nossa prosa de filósofos empreendedores capitalistas (eu mesmo com apenas dois semestres nas costas, um ainda por concluir, já me sinto na condição plena de filósofo, um filósofo júnior, mas ainda sim um!), Prof. José Benedito expõe duas esferas de atuação de possíveis palestras abraçando a Filosofia, uma no âmbito das empresas públicas e outra nas empresas privadas, em que aspectos bastante discutidos na Filosofia se fazem presentes cotidianamente e se pode observar a aplicação da teoria na prática mais evidentemente. Na área pública se podem ministrar palestras e cursos de ética e valores éticos aos funcionários públicos, com atenção especial no conceito de personalismo destacado pelo filósofo Emmanuel Mounier na discussão sobre a crise de 1929, em que formula que os homens tem que ser educados para que vejam todos os problemas do ponto de vista do bem da comunidade e não das vantagens individuais. Nas palestras para prefeituras, por exemplo, nas áreas da saúde e da educação destacar o papel dessas instituições na sociedade e sua importância, etc. No plano privado, a questão da ética também pode ser apresentada e discutida e dar destaque em outra parte importante em que a Filosofia tangencia que é o relacionamento interpessoal, bastante em voga nos dias de hoje.
A ética a ser trabalhada nessas palestras na área privada pode ter os seguintes tópicos: relações de pessoal; trabalho e sua significação e seus papéis na sociedade; importância da liberdade; e ainda discutir as relações entre a empresa a sociedade, o que uma troca com a outra, qual é o tipo de sua relação, relação de dependência entre ambas e uma infinidade de outros tópicos que podem ser adaptados e criados de acordo com a especificidade de cada empresa. Além de tudo isso, há ainda a discussão de missão, visão e valores ou filosofia da empresa, que nos dias de hoje todas as empresas grandes, emergentes e até mesmo microempresas aplicam em seu cotidiano e como método de trabalho, pode ser trabalho ali as diferenças de cada uma para os seus funcionários, em caráter de esclarecimento. Tema em que a Filosofia é usada fortemente, porque essas divisões usam diversos assuntos e conceitos muito discutidos ao longo da história da Filosofia e nada melhor que um filósofo para explicá-los e torná-los mais concretos e inteligíveis à realidade da empresa. Como por exemplo, a Rede Eletrosom que abriga como valores “a valorização do ser humano, respeito, ética, criatividade, disciplina, ousadia, simplicidade e compromisso com o Brasil”. Conceitos que podem ser esmiuçados pelo filósofo com o rigor do método e desviando do senso comum. Como sugestão de leitura aos interessados o professor indica o livro “Filosofia e Ética na Administração” de João da Mattar.
                Nas escolas o filósofo pode dar palestras ou realizar projetos, oficinas com os alunos sobre respeito e disciplina que pode abranger não só o ambiente escolar e a relação professor-aluno, mas ampliar-se até seu convívio familiar, profissional ou com os amigos. Com os professores os assuntos são igualmente diversos, mas pode também se focar na ética com os profissionais da educação (professores, dirigente escolares, técnicos, etc). O nicho de palestras para os filósofos parece infinito e aplicável a todos os segmentos profissionais desse famigerado mercado de trabalho e configura-se, por conseguinte numa boa fonte de renda e alternativa para quem não quer encarar uma sala de aula, apesar de o desafio das palestras se assemelhar aos dessa atividade.
                Por fim, fechando o ciclo de temas de palestras sugeridos pelo Prof. José Benedito que se relacionam com a Filosofia, há mais dois eixos temáticos que não podiam faltar aqui. A primeira delas, um assunto bastante atual, impulsionada pelo avanço nas melhorias genéticas, que é a bioética. Aqui material para se falar é o que não vai faltar. Discussões sobre instituições de saúde, como o tratamento ao paciente, humanização no tratamento ao paciente e estendendo ao campo científico até onde pode se chegar na melhoria (ou piora, se der errado) genética como nos transgênicos, clones, homens brincando de ser Deus, o valor da vida entre muitos outros tópicos que nos são especialmente contemporâneos. A segunda delas é a questão política, que desde os primórdios da Filosofia é discutida e é sempre um assunto atual, nesse aspecto político pode se enveredar por palestras junto a sociedade em geral ou específicas a partidos, ongs, associações de moradores onde podem ser discutidos fundamentos políticos da Filosofia, ética e política contemporânea, debater sobre leis, unipartidarismo, pluripartidarismo e uma infinidade de outras vertentes da política.
                Descobrimos afinal que o campo de atuação da Filosofia não é tão restrito assim como o senso comum nos faz acreditar em alguns momentos. A Filosofia é uma ciência que por excelência é interdisciplinar e por isso permite os profissionais dessa área aptos a atuar em tantos outros assuntos que parecem que não os pertencem, mas que sua contribuição nessas outras áreas é essencial, como na discussão da bioética, por exemplo. A Filosofia, no nosso país principalmente, ainda terá que quebrar alguns preconceitos e estereótipos, como há milênios vem quebrando e há um só sentimento que pode predominar nessa empresa júnior de Filosofia: o empreendorismo.


Aliás, parece que a moeda foi inventada pelos lídios na mesma época
em que outros gregos buscavam uma arké e os hebreus começavam a
fazer sucesso com seu monoteísmo.



COMENTÁRIOS DO XARÁ DO PROFESSOR BENEDITO

O PIPPE levantou essa questão e não foi para confirmar logo a seguir o que já esperavam alguns: "Tá vendo só? Não existe chance para inovação; filósofo tem mesmo é que ralar na sala de aula." De modo algum. Não usamos a idéia de uma "empresa Jr" só para denunciar ou desmascarar algum esquema perverso da sociedade urbano-industrial capitalista, etc. É o bicho pegando para todo mundo e temos que entrar na briga para vender nosso peixe, pois não basta ter um diploma. O seu emprego não está esperando na esquina. Muitas vezes temos que inventar algo para fazer na vida profissional. Será que isso não vale para o filósofo?

Há uma dúzia de comportamentos estranhos entre nós, que são no mínimo hipócritas (já que o cinismo tem lugar na boa filosofia). Vamos citar alguns e desenvolver aos poucos, conforme o debate, se vier.

1. Achamos bacana quando um médico estabelecido (isto é, faturando alto) vem fazer filosofia. Muitos dizem "oh! que prestígio para nosso curso!". Interessante. Mas porque será que os colegas professores não quiseram andar na contramão, ou seja, atender a demanda, quando o curso de Odonto veio nos solicitar uma disciplina? Será que fizemos um trocadilho rápido sobre a incongruência de odontologia e ontologia? Uai, eles são na verdade, como se diz em alemão, "médicos dos dentes". E eis aí um campo para a ética cair matando (ops!).

2. Achamos bacana quando a área da Educação, FACED,  se abre para uma tal "pedagogia empresarial". Legal, pensamos. Aí um dia um folder nos mostra como aplicar o método Paulo Freire na gestão de pessoas... e dinâmicas de grupos. Que horror, pensam alguns. Um desrespeito à memória do querido mestre, uma redução do potencial crítico, etc. Pode ser, mas será que não aprendemos nada sobre fazer omelete e quebrar ovos? O contexto de Paulo Freire, que admiramos, era seu quintal no Recife de 1930. Ok. O contexto de muitos é a empresa, a garagem, o apartamento sem sol.

3. Podemos citar alguns filósofos dirigindo empresas poderosas, como alguém citou por aqui - Bradesco. Sim, posso fazer merchandise de um banco privado, que não é o meu. Talvez tenha sido uma bela idéia de filósofo criar escolas profissionalizantes em tempo integral lá na beira do rio Araguaia, da Fundação Bradesco. E olha que Aruanã só tem um posto de serviço da CEF ali perto. Ora, os outros bancos poderiam contratar o "seu" filósofo, até para melhorar esse papo de "nossa missão", pois tem hora que não cola. E é bom lembrar que os verdadeiros e primeiros "missionários", os jesuítas, tinham uma sólida formação filosófica. Alguém já disse que a Companhia de Jesus, ordem deles, foi a primeira "multinacional ideológica". E tinham que receber formação militar, daí. Anchieta não era um fracote a escrever poemas sublimados; andava a pé aquele litoral todo a administrar escolas e paróquias. Grande Anchieta! O que seria de São Paulo sem ele, terra dos negócios.

4. Tive dois ou tres professores de filosofia que eram e são ricos e poderosos. Um deles foi o administrador geral do Dinners Club na América do Sul, primeiro cartão de crédito que chegou aqui. O irmão dele era minsitro. Tempos depois, além de respeitado e hoje emérito filósofo, ele era também sócio de uma grande imobiliária, da qual fui inquilino, sem facilitações  (meu avalista foi ninguém menos que Valério Rohden... É o manso!). O outro era o advogado de uma família que estava entre as três famílias mais ricas na região de Argentina, Uruguai e Brasil... O grupo faliu, mas ele inventou outro jeito de ganhar dinheiro: a psicanálise, pois doido é o que não falta... Ele, inclusive, é doido por escrita e lança um livro (de alta filosofia) por ano. Isso também dá dinheiro. E um terceiro, que era dono de cartório, uma mina de dinheiro, como sabemos. E que tal um sobrenome como Chateaubriand, herdeiro do império do Assis, o jornalista. Virou filósofo. Ok. São poucos exemplos? Nem tanto, pois não se sai bisbilhotando por aí. O importante é isso: souberam diversificar e mantiveram com a maior honestidade suas carreiras de filósofos. Não era bico.

5. Outro dia um colega lamentou nossa incapacidade de manifestação diante de mais uma sapituca da crise permanente: logo os gregos, que inventaram a democracia e agora não puderam realizar um plebe-cito... Ora, o que o meu "objeto" Habermas foi dizer na vizinha França, nós poderíamos dizer por aqui, o óbvio que vem a ser o razoável, o bom senso comum, etc. O problema é a repercussão. Eu disse em sala e aula. O Habermas manda recados para sua Angela Merkel, mas ela nem tchum... Por aqui, no Brasil, se julgarmos pela reportagem da revista inVeja citada aqui, não há e não deveria haver filosofia e ensino de filosofia no Brasil. Cuidado, alunos e alunas! Não é bem assim. A revista Veja entrevistou recentemente um filósofo, em suas páginas amarelas, para malhar o partido vermelho dos trabalhadores, PT. De novo e sempre, assim como odeiam e demonizam o MST. Ok. O cara falou contra o PT e, dias depois apareceu em evento do PP, me parece, falando a favor de partido conservador. Ok. Não estamos aqui defendendo que haja espaço no país e na mídia para filósofos de esquerda, mas, antes, para filósofos em geral. Quem quiser uma boa dica sobre filosofia e engajamento leia o excelente Hans Albert, um positivista, dirão alguns. E daí. Ele está certo lá.

6. Tive outro professor de filosofia que já foi diretor do "BNDES" do Rio Grande do Sul e depois Secretário de Estado, RS. Me encontrei com ele e um aspone, meu ex-colega de pós: os dois únicos de terno e gravata em Mumbai, no meio de cem mil indianos e paquistaneses et caterva... Juntos fomos a um importante debate: ONU - ou vai ou racha.

Por enquanto é isso, mas se der jogo, vou buscar o nome de um espanhol do tamanho de um touro, que fez sucesso no evento em homenagem aos 80 anos de Habermas, na Paraíba, em 2009. Ele aplica Habermas a... empresas. E me parece que o alemão não mandou processar o ousado espanhol...


Trabalhar é duro, mas se pintar uma grana já começa a melhorar,
segundo um velho provérbio chinês
que acabei de inventar.


EM TEMPO: Agradecemos a contribuição do Prof. Dr. José Benedito, que tem trabalhado no curso de Administração da UFU, onde adquire traquejo nessas questões "corporativas" que tantos evitam, também por desconhecimento. Valeu, xará! E vamos manter contato e, quem sabe, uma "parceria" com nossa empresa Jr. 



GRILO PARA O FIM DE SEMANA: O post já ia ser encerrado, mas antes de desligar a caldeira devemos dizer que um grilo está a nos importunar aqui na redação. Ouçam... A imprensa volta a dizer que falta mão de obra no Brasil do PAC e da COPA. O mercado, dizem, precisa de mais de mil mecânicos e funileiros. Uau! Haja funil e rebimboca de parafuseta... Mas então, eis a pergunta - e nisso somos bons: fazer perguntas - de quantos filósofos estamos precisando? Se não for o mercado, o SINE, a FGV, a Standard and Poors, que seja a sociedade a anos dizer. Qual é a carência, a demanda, o gargalo? Estão vendo só. Pegamos eles. Eles não sabem responder, mas nós podemos pensar nisso. Aliás, nosso negócio é pensar.


"Nobiscus mutambus est!"
(em homenagem ao Fernando Honorato)




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