Total de visualizações de página

sexta-feira, 2 de dezembro de 2011

PIPPE EM DEFESA DE NOSSOS EMPREGOS

                NEM TODOS QUEREM FILOSOFIA


(Sobre Cláudio Moura Castro e Ioschpe, sem inVeja, mas em defesa da Filosofia)
Alguns alunos encontraram uma edição da revista Veja em que saiu esfolada nossa pretensão de ensinar filosofia aos adolescentes e jovens, como matéria obrigatória, neste país que sai mal no PISA, no ENEM, no ENADE e na página policial.
Volto ao tema, pois li um artigo do mesmo intelectual, que respeito muito – já vou avisando – e também um novo artigo de um ideólogo júnior, novato na mídia, sobre o mesmo assunto, aliás... contra.
Eu não queria ser jornalista ou articulista da grande imprensa (daí o “sem inVeja”), pois estou feliz na sala de aula ou pesquisando. E, por falar nisso, eis o primeiro contato com Castro: li e reli e rabisquei o livro dele A prática da pesquisa. Até fiz uma resenha desse livro, nunca publicada e perdida nas gavetas. Foi afixada no mural da UFU por volta de 1985 e serviu de pontapé inicial para nossa bem sucedida revista Educação e Filosofia. (Geraldo Inácio, co-fundador, fez a outra resenha, sobre livro de Nelson Werneck).
E eu não fiquei esses trinta falando generalidades e abobrinhas sobre pesquisa; fiz curso de especialização em pesquisa empírica, com estatística e computers já em 1982, com equipe top do IUPERJ, encantada com o pacote SPSS da IBM. E depois fiz mestrado em Epistemologia das Ciências Humanas, para dar um pouco as credenciais de quem sabe fazer outras coisas.
Moura Castro tem idéias próprias (não é ventríloquo da revista Veja) e pode expô-las melhor em artigo mais longo. Alguém deixou em meu escaninho o capítulo 4, “Dúvidas filosóficas na educação superior”, de alguma coletânea, da qual não tenho referência.
Muito bom o texto. Concordo com quase tudo e vejo lá o livro que li 2 e ½ vezes: Zen e a arte de manutenção de motocicletas, além da defesa de algum tipo de ciclo básico na universidade. C. M. Castro, que estudou nos USA, lembra que as boas universidades lá surgiram como escolas de teologia. Ora, eu também me graduei na Católica e Goiás, de jesuítas, que tinha teologia e filosofia no básico, para todos os cursos. E a melhor instituição de ensino do Brasil na área de humanidades é a EST, com t de teologia, em São Leopoldo – nota máxima na Capes.
Castro trabalhou na Capes e em muitos outros lugares. É economista, de olho em investimentos e resultados, mas luta contra o corporativismo - vieram cobrar dele a mensalidade de seu “CREA”, mas ele não exerce; foi para a educação há muitos anos... E ficou p da vida, com razão. Confiram em http://colunas.imirante.com/platb/gastaovieira/2011/07/.
Então, até por razões pessoais, acha que uma pessoa pode estudar uma coisa e trabalhar em outra área, como pode inventar qualquer coisa sem ser especialista. De novo, a força das corporações, medievais ainda. Como se explica que os jornalistas não precisem de diploma, ao passo que os advogados com diploma não consigam trabalhar por implicância da OAB, a defensora dos fracos e oprimidos  de outros ambientes? E nós, filósofos, com ou sem diploma, temos dificuldade de vender nosso peixe e até de pescar nossas iscas.
Castro dá inúmeros exemplos, mas lembra: não há improviso – quem parece improvisar, tipo Almir Klynk no palco (mas não em alto mar), preparou-se muito bem antes.  Mas aí, nesse artigo mais longo de Castro, mais acadêmico, caberia sugerir que acrescentasse alguns filósofos a sua lista de gênios criativos fora da área, em “desvio de função”, com dizem os burocratas. Por exemplo, Descartes e Leibniz inventaram cálculos e teoremas, um outro polia lentes e dois inventaram processos engenhosos para vigiar presos ou apertar  suspeitos (ou as hipóteses). Bentham e Bacon, respectivamente. Bom lembrar que o “Chico Toucinho” teve um cargo equivalente ao de Romeu Tuma em tempos de Dops... E muitos eram polivalentes, que iam também aos laboratórios, observatórios e campos de batalha.
Mesmo no século XX das especialidades, o engenheiro Ludwig que virou filósofo Wittgenstein foi também enfermeiro e arquiteto: desenhou casa moderníssima para a irmã em Viena. E Quine alistou-se na marinha para poder viajar muito. Acabou passando pelo Brasil onde lançou livro importante.  Ou seja, desde que Tales ganhou dinheiro em Mileto com sua locadora de depósitos de azeitonas, já se vão 25 séculos de criatividade e jogo de cintura.
Mas o grande lance, nossa chance de dar um aperto diplomático no Castro da revista é mostrar que o Castro do artigo, cap. IV, fala de filosofia; faz reflexão filosófica, pois sabe que muitas vezes o cálculo e a empiria são insuficientes. Ah... Que bom! Existe esperança para nossa pequena empresa. Só nos resta ter força e senso de oportunidade para fazer nossa oferta de serviços (e de produtos), pois é disso que estivemos tratando no PIPPE: motivar os alunos, mostrar perspectivas e inventar coisas. E, claro, desfazer as falsas imagens que sempre voltam, como se o curso de filosofia fosse uma invenção recente e curiosa.
Em mensagem a um aluno nosso, Castro gentilmente respondeu que não é contra o ensino de filosofia; só não devia ser obrigatório. E até ironiza: porque não violino? Não, caro Cláudio, não vamos desafinar... Mas podia ser pior, se nos coubesse tocar aquele bumbo lá no final da ópera.

Mas deixemos o colega Castro em paz, até porque sabemos bem como é a regra da conversação: se ele é economista, tem coragem de expressar seus pontos de vista e critica nossas fantasias de filósofo, não adianta muito querermos convencê-lo de nosso valor (pois de valor escasso o economista Castro entende); melhor seria agirmos igual: criticar a economia. A partir de coisinhas leves, como: porque será que os cursos de economia são ministrados em tempo integral? Há muitos economistas progressistas e até revolucionários nos cursos de economia das federais, mas... será que o filho do operário não pode ser economista? Tem reserva de mercado para os filhos dos empresários? Assim, a gente vai treinando para ocupar horários nas grades curriculares, disputando com música, legislação de trânsito, arte culinária, yoga... Claro que temos que ter convicção da prioridade e anterioridade da filosofia! Não se pode é vacilar.
Deixemos o Castro, com respeitosas saudações universitárias, e passemos ao novo mascote ou gandula da revista Veja: Gustavo Ioschpe. Esse rapaz apareceu numa série da rede Globo sobre educação. Andou no jatinho da emissora e explicou com clareza e competência as razões do sucesso de uma escola e do fracasso de outra, mesmo quando a boa escola está no Piauí e a ruim na grande Porto Alegre. Muito preparado e imparcial o Ioschpe, mas parece que está deslumbrado com a grande revista que lhe deu espaço para artigo. Não sei se ele escreve regularmente na Veja, pois só leio ocasionalmente essa revista ilustrada em oficinas e consultórios.
Na edição de 9 de novembro de 2011, o analista Ioschpe pretendia mesmo era bater no ministro Haddad, mas sobrou algum tapa para nossa querida filosofia. É compreensível, no jogo de forças políticas – inclusive dentro do PT – que a mídia se aproveite para elogiar ou criticar um ministro que será candidato a prefeito de São Paulo, onde a Veja deve ter a maior parte dos assinantes e anunciantes. Daí que o artigo siga o cardápio: falar contra o Enem, a expansão da rede pública, o Enade, a merenda, a qualidade, etc.  A idéia geral é que “não adianta aumentar gastos”, pois os alunos vão sair tão analfabetos quanto antes. Ih! Ofendeu...
Aqui não é lugar para comentar o que os últimos três presidentes têm feito pela educação (ou contra). Então, vamos ao tema filosofia. E aí vemos que o rapaz vestiu a camisa da firma! Cito de memória e, se parecer confuso, é porque há um texto cifrado ali, mais ou menos assim: A implantação do ensino de filosofia e sociologia ( “leia-se pregação esquerdizante” ) no ensino médio foi o maior êxito do ministro Haddad, para depois deixar seus heróis de vinte anos atrás orgulhosos ao reclamar do inchaço do currículo naquele nível.
Imaginei que os supostos heróis de Haddad fossem comunistas e libertários, mas temos que deixar essas confabulações maldosas para depois. Vamos rebater aqui apenas essa neura da alegada “pregação esquerdizante”, pois é assim que a filosofia é erroneamente encarada, por desconhecimento e por estratégia – para queimar nosso filme e nos alinhar automaticamente com movimentos sociais e sindicais que a revista declaradamente odeia e demoniza.
Ora, de onde tiram isso? Existe pregação esquerdizante nos programas, nos textos? Será que algum curso de mestrado ou doutorado ainda ensina Marx, por exemplo? Confiram as teses e dissertações atuais. Acontece em outras áreas o mesmo que nos cursos de pedagogia: enfraqueceu-se depois dos anos 90 a tendência de crítica à escola capitalista e reprodutivista, dando espaço para outras abordagens e teóricos, inclusive a pedagogia empresarial.
Ou será que o problema é o pensamento em geral? Será que pensar, no sentido filosófico, sempre leva à crítica do estabelecido, ao passo que o cálculo e a operacionalização favorece a valorização do capital, sem interferir no status quo? Bom lembrar que o pragmatismo também é uma filosofia. E que hoje o racionalismo crítico está mais perto da recente teoria crítica, na defesa do diálogo e do debate. Dúvidas abertas.


Nenhum comentário:

Postar um comentário